Poetas no Topo 4
Nova edição do projeto insiste nos mesmos erros
Goste ou não, Poetas no Topo é um dos projetos mais populares do rap nacional desde que surgiu em 2016. Na época, começava todo um movimento em torno das cyphers que, a despeito do significado original no Hip Hop estadunidense, no Brasil tornaram-se uma espécie de vitrine na qual cada rapper tentava entregar uma amostra do seu trabalho numa música sem refrão e com tema livre.
Ah, mas depois vieram cyphers temáticas e com refrão… Pois é, aqui é o Brasil, onde o álbum deluxe não é deluxe e os MCs resolvem suas diferenças nos stories do instagram.
Dito isso, o primeiro Poetas no Topo foi inacreditável. Muitos não conheciam os rappers que estavam na faixa e até hoje o som é lembrado pelos versos e clipe icônicos. Marcou o início da gravadora Pineapple Storm (vulgo Abacaxi) que, em meio a controvérsias, ajudou a alavancar a carreira de bons artistas.
Porém, a cada edição do projeto, tudo parecia mais inchado — a próxima edição sempre tinha que ser maior, com mais artistas, mais tempo de faixa. E isso teve um impacto visível na qualidade. Não pelos MCs individualmente, até porque ao longo do projeto tivemos versos fenomenais de Raffa Moreira, Don L, Drik Barbosa, entre outros. O ponto é que faltava coesão. Uma produção decente sonora e visual que organizasse tantos talentos em um clipe-música que você quisesse ver mais de uma vez. Afinal, foi isso que o projeto se tornou, uma espécie de termômetro do rap nacional mainstream que tu olha, tem um panorama da cena e larga de mão.
Com o anúncio dos nomes que estariam no Poetas no Topo 4, a Pineapple não parecia muito interessado em mudar isso, surpreendendo ninguém. É jogar seguro, views garantidas em cima de gigantes da cena brasileira. É só colocar cota de mulher e nordestino que tá suave.
Mas vamos ao som. Vou destacar alguns elementos aqui, visto que em 17 minutos (!!!!) de clipe, nem todos os versos foram interessantes.
Jotapê abre o clipe bem à vontade no beat incrível do Ecologyck. A cinematografia do clipe é bem qualquer coisa e pouco adiciona à música. O próximo verso é o do Cesar, um MC que sempre me impressiona como consegue organizar organicamente seu rap com sua fé. Não é aquela religiosidade gangsta clássica tipo Brown e 2pac, muito menos os sons confusos do Ye.
O verso do DK é um dos pontos altos do som. O artista fez questão de cobrar rappers que fazem publi para os cassinos virtuais que estão assolando as classes mais baixas. Pode parecer um ataque fácil, mas o assunto é sensível, pois muitos dos artistas que anunciam esse tipo de esquema podem até ter notoriedade, mas ainda não saíram da insegurança financeira.
Entrando em outro tópico sensível, DK compara os evangélicos de extrema direita — por mais que possa parecer, não é pleonasmo — ao estado genocida israelense. Na bolha da esquerda, esse é um assunto relativamente bem resolvido e todos concordam que nossa solidariedade e apoio deve ser para a Palestina, mas o rap brasileiro passou por um processo de despolitização gigantesca nos últimos anos. Públicos e artistas não se comprometem politicamente e acabam absorvendo ideias “nem de direita nem de esquerda” que são apenas rebranding da direita. Assim, falar do genocídio palestino em uma faixa de proporção como Poetas no Topo é uma atitude digna de nota, ainda mais tendo um rapper declaradamente cristão na mesma faixa.
Sinceramente, ter o Don L no som é um pouco incômodo. Eu já sou contra repetir tantos artista nesse tipo de projeto e o caso de Don é ainda mais estranho por ele ser nordestino. Poderia muito bem ser o Ravi Lobo, Duquesa, Vandal, ou tantos outros, mas já que Don L voltou, não desperdiçou uma sílaba.
AI nunca vai poder fazer o que eu faço
O que desajustou minha mente é o que desequilibrou
Combustível desabilitou a concorrência, inflamável, intenso
Sem tempo pra Invejagram, Face-tio-do-Zap
Essas neonazi’ X, todas big techs
TikTek, roubando seu tic-tac no Rolex, ouro, ao menos me segue
Don L, unfollow todos
Como de costume, Don dedica algumas linhas para esse momento que vivemos de alienação através do uso de mídias sociais que, na verdade, não passam de redes de espionagem nos usando para vender dados, testar algoritmos e inteligência artificial. Além disso, é um show à parte observar sua métrica, fazendo meias-rimas sutis que somam muito na sonoridade.
Ajuliacosta é provavelmente o segundo melhor verso do som. Talento puro.
Ajuliacosta é pura lírica, de fato, o que o hip-hop esperava (Aju)
Na rima, Ajulia não brinca, de fato, o que o rap pede e precisava (Aju, ei)
Contratantes sem senso, público de Enzo no berço da miséria
Eu nasci brasileiro, no véu da ilusão, eu não me submeteria
De fato, eu sou a rapper que um OG se orgulharia (Ahn)
Porém nos faz questionar o porquê de só ter ela de mulher no som, quando tivemos tantos trabalhos de mulheres em destaque esse ano. Cristal e MC Luanna são só alguns de vários nomes que caberiam na faixa.
Raffa Moreira estar nesse som tem a ver com justiça. No passado, o MC foi removido de Poetas no Topo 2 por cobrar direitos autorais e só no ano passado houve trégua entre ele e a gravadora do abacaxi. Junto com Don, é o MC que mais destruiu no flow.
Em suma, não imagino ninguém voltando a esse som uma segunda vez. Pra cada verso que vale a pena, tem outros bem mornos que é melhor nem mencionar. Não é de hoje que esse projeto precisa de um redirecionamento, algo que dê sentido a sua existência para além do farm de views. Se o ponto é apenas evidenciar os poetas que estão no topo, para isso já tem os charts do Spotify.