algumas camadas de The Evil Dead (1981)

because the culture
4 min readOct 5, 2024

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Uma Noite Alucinante

Confesso que nunca entendi direito a combinação de terror com comédia. Essa mistura de gêneros — o famigerado “terrir” — parece sensível demais para dar certo e, salvo algumas exceções, sempre achei os filmes de um mau gosto igual ao nome do subgênero. Sem mencionar que, geralmente, se trata de filmes que apelam para a metalinguagem para justificar sua existência — vide o péssimo The Cabin in the Woods (2012).

Verdade seja dita, tem um pouco de paladar infantil aí e é por isso que eu venho me permitindo olhar com mais cuidado para esses filmes.

A sinopse de The Evil Dead (1981) pode ser feita com algumas palavras-chave: jovens, cabana, floresta, demônio. Pronto, é exatamente isso que você está pensando, mais um daqueles filmes em que adolescentes são brutalmente assassinados por se isolarem para transar. Mas só em parte.

Primeiro que a tensão sexual é pouca no início do filme. Ash (Bruce Campbell) e seus amigos parecem mais interessados em se afastarem da cidade para curtirem a presença uns dos outros do que qualquer outra coisa.

Entretanto, essa parte é filmada por uma câmera em movimento que dá uma sensação de perseguição, como se algo maligno os tivesse atraído para uma armadilha.

Ao investigarem o porão da casa, Scott (Richard DeManicor) e Ash encontram um estranho livro cujas páginas parecem feitas de pele. Eles também acham fitas que contém a gravação de um morador anterior explicando que o livro é um grimório capaz de libertar forças malignas adormecidas na natureza.

Aliás, a natureza vai ser um dos principais signos da presença maligna. Galhos e árvores se movem e atacam com ímpeto assassino e é numa cena em que a personagem Cheryl (Ellen Sandweiss) se perde no bosque que o elemento sexual do filme aparece. A garota é sexualmente atacada por galhos demoníacos e a partir daí o processo de possessão se intensifica, atingindo primeiro as três mulheres do filme. Essa dimensão sexual também está presente na forma que os possuídos morrem e excretam sangue pelo corpo. Enquanto sexo é a causa da punição em filmes slasher — punição essa que vem pelo sobrenatural ou por um serial killer -, aqui a sexualidade aparece durante a possessão.

Os possuídos em parte se comportam como zumbis, mas há momentos em que as criaturas zombam do sofrimento das vítimas, como se estivessem mais interessadas em atormentá-las do que simplesmente promover um massacre. Enquanto os amigos de Ash sucumbem um a um, ele se afirma como protagonista, com Bruce Campbell dando um show à parte em sua entrega.

É preciso fazer um adendo sobre Campbell. Apesar de o ator ser o estereótipo de galã da época, ele não é exatamente bonito e tem algo estranho em seu olhar, algo que indica que, em uma situação limite, o mesmo cederia à loucura. Além disso, há muita fragilidade em sua interpretação. Enquanto Scott não hesita em esquartejar sua namorada possuída para sobreviver e foge sem se importar em abandonar os demais, Ash hesita, treme, cai, se desespera. Ao final o personagem está destruído, cheio de hematomas e sangramentos, muito diferente das garotas virginais que sobrevivem nesse tipo de filme.

Faz parte do momento em que vivemos se perguntar sobre o quê determinada obra é. Esse questionamento parece mais relevante em filmes de terror e as vezes é a única coisa que os valoriza na opinião geral. Eu não diria que Sam Raimi (Spiderman) dirigiu The Evil Dead como mais um filme com uma visão moralista sobre sexo, como é o caso da maioria dos filmes do gênero. Se por um lado o personagem de Ash me faz pensar em como sua masculinidade é colocada em xeque por mulheres possuídas que tentam destruí-lo física e emocionalmente, reduzir o filme a isso seria um erro tão grave quanto ignorar esse aspecto. O fato é que esses demônios que habitam a natureza e se expressam com uma sexualidade assassina produzem as cenas mais impactantes do longa.

The Evil Dead fica mais incrível quando você descobre que é o primeiro filme profissional de Sam Raimi, financiado com o valor de um pastel e um caldo de cana. As limitações trabalham a favor do filme que me divertiu muito apesar de não ser nenhum fã de trashs em geral.

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